Antropologia Interpretativa


Antropologia Interpretativa




A partir da década de 1960, o antropólogo Clifford Geertz, desenvolveu a teoria da Antropologia Interpretativa por meio da problematização dos estudos antropológicos. Sua teoria buscava compreender a cultura de povos “nativos” numa visão de dentro, isto é, fora do olhar colonizador (olhar marcado pela diferenciação e pela superioridade étnica). Essa ideia foi central para se discutir a política e o papel ideológico da Antropologia, que escrevia a História da diversidade cultural dos povos (PAULA-XAVIER, 2009).

Graças a Antropologia Interpretativa de Geertz, que inteirava a observação participante e a interpretação do antropólogo, os estudos etnográficos ganharam fundamental importância, principalmente no que concerne aquilo que os antropólogos denominam de descrição densa. E nesse aspecto, reside uma importante contribuição para o estranhamento da autoridade etnográfica no campo teórico (VERSIANI, 2005). Foi o responsável pela redefinição da ação do antropólogo, que passa a considerar a cultura como um texto a ser decodificado, interpretado, reinterpretado. O resultado dessas múltiplas visões de mundo sobre o mesmo objeto do antropólogo, resulta em diversos significados, algumas das vezes até conflitantes por serem construídos pela polifonia de vozes. Mas, a antropologia interpretativa ameaça a ditadura da linguagem, destona a monolinguagem e em seu lugar inaugura a polissemia, onde um grupo de indivíduos ou uma única pessoa pode, com coerência, acrescentar, discutir, rever aquilo que foi estabelecido como “verdade” (CAVALLEIRO, 2001). Segundo Menezes e Paschoarelli (2009), a hermenêutica da Antropologia Interpretativa, procura analisar, de forma aprofundada, as interpretações, os símbolos, as falas, a escrita, por meio da etnografia. Essa análise considera a cultura como uma hierarquia de significados de um determinado povo. Com isso, Geertz passava a estimular a reflexão crítica e estabelecer padronizações que originaram o paradigma da Antropologia Interpretativa.


Características do Paradigma hermenêutico

Uma das mais fortes características do paradigma hermenêutico, segundo Cardoso de Oliveira (2006), é a intersubjetividade do Antropólogo. “E justamente o reconhecimento dessa intersubjetividade que torna o antropólogo moderno um cientista social menos ingênuo”(p. 31). Portanto, através da intersubjetividade, a percepção da realidade (ouvir, falar e escrever) é responsável por focalizar a pesquisa empírica. No entendimento do autor, a textualização dos dados provenientes da observação sistemática, deve acontecer antes da escrita.

O paradigma hermenêutico, na análise de Cardoso de Oliveira(2006), é um paradigma vinculado à tradição intelectualista europeia continental. Para ele, trata-se de uma tentativa bem articulada, embora tardia, que buscava recuperar a perspectiva filosófica do séc. XIX. O paradigma hermenêutico pode ser compreendido como uma reação contra o pensamento Iluminista. Por esse motivo é que se popularizou o uso da expressão pós-moderno, um indicativo de que a chamada modernidade, havia chegado ao fim. O autor comparando o paradigma hermenêutico com outros (racionalista e estruturalista, culturalista e estrutural-funcionalista), observa como positivo o rejuvenescimento da Antropologia. A perspectiva hermenêutica trouxe novos elementos que se instalaram dentro da Antropologia. Não veio para erradicar os paradigmas tradicionais, mas para ser mais uma alternativa, juntando-se aos paradigmas já existentes e, como dito anteriormente, adicionando novas características tais como:

 
a moderação na autoridade do autor;

A hermenêutica, como observa Stein (2004), não se trata de uma verdade empírica e muito menos de uma verdade absoluta, pois se assenta nas condições humanas do diálogo e da linguagem. Isso implicará no revisionismo histórico e etnográfico das pesquisas que cunharam os chamados “povos primitivos” - entendendo os povos que habitavam a floresta como aqueles que estavam em estágio anterior do desenvolvimento humano. Têm-se então, uma ruptura com a autoridade do autor, visto antes como verdade absoluta, dogma insofismável do evolucionismo cultural.

maior atenção dada a escrita;

Klinger(2007), pede atenção para o que é produzido no campo etnográfico, evitando-se com isso, incorrer nos mesmos excessos dos eventos que custaram caro para o campo antropológico. O novo percurso da Antropologia do século XX deve considerar a antropologia interpretativa, ou para usar um termo cunhado por Clifford Geertz, uma “antropologia do outro”. Essa nova perspectiva reescreve uma etnografia que opera na auto-reflexão, se recusando, sobretudo, ofertar uma interpretação que não seja do “outro”.

maior preocupação com o momento histórico do encontro etnográfico

Segundo Guimarães (2006), a etnografia se caracteriza pela noção de oralidade, espacialidade, alteridade e inconsciência, opondo-se à historiografia que se configura a partir da escrita, a temporalidade, a identidade e a consciência. A etnografia entendido como projeto de conhecimento sobre grupos sociais, as culturas, etc., objetiva a especulação do conhecimento de um determinado grupo social sem, no entanto, se deter a forma de como esse conhecimento foi adquirido. Em virtude disso, as experiências de campo perdem muito de suas características, como por exemplo, a historicidade. O antropólogo, por ocasião de seu trabalho etnográfico, se vê obrigado a detalhar em que nível sua escrita foi elaborada: se descritiva, interpretativa ou explicativa (SILVA, 2006).

compreensão de que a razão humana (tão enfaticamente exaltada pelo movimento iluminista) também tem suas limitações.

Como observa Silva(2006), Clifford Geertz foi o responsável por inserir a hermenêutica buscando interpretar a cultura como um texto produzido por homens, uma produção social, sendo, não obstante, papel da antropologia executar sua exegese. Nesse sentido, a antropologia interpretativa configura uma leitura “sob os ombros do nativo,” isto é, a visão que este faz de sua própria cultura, sem o olhar preconceituoso e míope do colonizador. A partir da década de 1980, a prática de ver a cultura como um texto e a antropologia como sua interpretação, entre os antropólogos norte-americanos, contribuiu para perceber o texto etnográfico como objeto de investigação. O que o paradigma hermenêutico propôs foi redirecionar a análise tanto para o observador, quanto para os estudos etnográficos, sobretudo, preocupava-se com a escrita sobre essas culturas, a produção textual e sua descontextualização, necessitando de uma análise interpretativa. No entender de Azan Júnior (2004), é preciso fomentar os debates sobre a antropologia interpretativa, resultando numa relação dialógica que levem ao caminho de uma hermenêutica com a antropologia, a partir da composição dialética entre objetividade e subjetividade.


REFERÊNCIAS



AZZAN JÚNIOR, Celso. Antropologia e sociedade no Quebec: antes e depois da revolução tranquila. São Paulo: Annablume, 2004.

CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O trabalho do Antropólogo. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Unesp, 2006.

CAVALLEIRO, Eliane. S. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo negro edições, 2001.

GUIMARÃES, Manoel. L. S. Estudos sobre a escrita da História. Rio de Janeiro: 7letras, 2006.

KLINGER, Diana. Escrita de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de Janeiro: 7letras, 2007.

STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipuc, 2004.

MENEZES, Marizilda. E.; PASCHOARELLI, Luis. C. Design e planejamento: aspects tecnológicos. São Paulo: Cultura acadêmica, 2009.

PAULA XAVIER, Tadeu. P. Teorias Antropológicas. Curitiba: IESD, 2009.

SILVA, Vagner. G. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: Edusp, 2006.

VERSIANI, Daniela. B. Autoetnografias: conceitos alternativos em construção. Rio de Janeiro: 7 letras, 2005.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ressurreição, reencarnação, ancestralidade e o nada

Durkheim - a religião é um fato social