A ilusão totêmica


I Capítulo: A ilusão totêmica

O livro intitulado "Totemismo ontem e hoje", é uma tradução do texto original publicado em 1962 em francês: Le Totemisme Aujord'huide, de Caude Levi-Strauss. Trata-se de um ensaio dividido em cinco capítulos que será posteriormente complementado com uma segunda obra (uma monografia) denominada de Pensamento selvagem. Em a ilusão totêmica, Levi-Strauss trata de fazer uma descrição clara da histeria relacionando-a com o estudo sobre o totemismo. Comparando o totemismo da antropologia vitoriana com a histeria, percebe que a histeria foi criada com o objetivo de dividir uma classe de pessoas lúcitas de outras consideradas loucas ou insanas. Na busca de fortalecer essa divisão, o grupo de indivíduos que faziam uso do totemismo eram agrupadas como aqueles que eram ignorantes em lógica e também não conseguiam fazer distinção entre fenômenos, puramente naturais, produto da cultura material do homem (KUPER, 2008).

Rocha (2006) concorda que existe uma homologia entre os dois grupos e aquilo que a antropologia chamou de totemismo. Por meio do totemismo cria-se uma classificação de diferenças entre uma série natural e o tipicamente cultural. Mas, apesar dessa classificação fixada nas diferenças, o sistema totêmico realiza uma importância fundamental na coerência de uma vida através das trocas, diálogos, etc., que são de fundamental importância para a vida social. O totemismo reunia em sua volta um grupo em comum: mesmos interesses, buscavam o mesmo objetivo, tinham as mesmas características e estruturavam, dessa forma, o equilíbrio social. A homologia entre diferentes sistemas explica como cada cultra em particular constrói sua visão de mundo, fixa-se em um tempo (linear, cíclico,...), como se relaciona no grupo e consigo mesmo. Lolli (2014), acrescenta que Lévi-Strauss cuidou de descrever a construção do sistema totêmico através dos mitos, pois estes revelam as origens das denominações dos clãs atuais. Inserido no contexto indígena, o antropólogo, aliou os pensamentos e costumes indígenas ao seu método.

II Capítulo: O nominalismo australiano

Em O nominalismo australiano, Levi-Strauss preocupa-se em estruturar seu pensamento entre o nominalismo das classificações e o realismo simbólico. Levi-Strauss parte da premissa de que enquanto o nominalismo caminha para o pensamento selvagem (concreto, imediato, sensível), o simbólico vai na direção oposta em busca do metafórico, que desconstrói o real por meio do mito - a mitologia é a chave para decifrar o sentido. Como assevera Hedges (1997), não interessa se o mito é uma nova criação pessoal, ou se é a continuidade de uma tradição, pois o poder do mito e do símbolo reside na estrutura da linguagem e a forma como será estruturada (HEDGES, 1997). Todavia, somente através da análise do mito é que a identificação da função simbólica e sua estrutura se mostra mais coerente. Desse modo, o estudo dos mitos, permite desvelar sobre a existência de recintos mentais: "no mito, diz ele, o espírito não faz outra coisa senão falar de si mesmo" (GARCIA-ROZA, 1993). A singularidade do pensamento mítico é observada mediante esse axioma: o mito é transpessoal e está situado tanto na linguagem, quanto para além dela.

Garcia-Roza (1993) afirma que Lévi-Strauss entendia a cultura como um conjunto de sistemas simbólicos, pois é neste sistema (simbólico), que o fato cultural ou social se realiza. Só existe o social porque existe o simbólico. Assim, sociedade e símbolo, constituem os dois lados de uma mesma moeda. Mas, ressalve-se que: " Lévi-Strauss vai colocar o simbólico como o próprio a priori do social. Para ele, não há fatos sociais que são, em seguida, simbolizáveis, mas, ao contrário, a vida social só pode emergir a partir do pensamento simbólico" (GARCIA-ROZA, 1993: 73). Em outras palavras, não foi o social que originou o pensamento simbólico, mas ao contrário, para Lévi-Strauss, o ponto de partida da sociedade foi sua estruturação lógica por meio dos símbolos.

Uma das características do pensamento de Lévi-Strauss é o deslocamento de seu foco sobre a realidade e o imaginário para o simbólico. Aliás, percebe-se uma dominância da atenção dada ao inconsciente. Por meio do imaginário é que as relações sobre si e sobre a natureza são materializados. No entanto, esse também é o terreno necessário para "fabricar sociedades" (COELHO, 2006).

III capítulo: teorias funcionalistas do totemismo

Levi-Strauss faz uma abordagem sobre a compreensão do totemismo na visão de Malinowsk. Para Malinowsk, faz-se necessário responder algumas questões para o desvelamento sobre o totemismo da seguinte maneira: a) Por que o totem é uma representação de animais e plantas ao invés de humanos?; É Levi-Strauss quem responde: “porque estes dão ao homem o seu alimento e porque a necessidade de alimento ocupa o primeiro lugar na consciência do primitivo, despertando emoções intensas e variadas” (STRAUSS, 1975). Quando da domesticação dos animais, ou anterior a ela, o homem primitivo compreendeu a importância que os animais tinham na saciedade da fome. Malinowsk encontrara uma função nos animais e vegetais que mais tarde seria reverenciada na forma de totem. Diante disso, Levi-Strauss faz uma análise comparativa sobre diveferentes aportes sobre o totemismo ao confrontar a visão de Malinowsk: o totemismo é um “resultado natural de condições naturais," com autores que foram precursores no estudo sobre o totemismo, como por exemplo, Radcliff-Brow, Úrsula McConnel, Spenceer e Gillen, Firth, Freud e Durkheim). Certamente que uma concepção utilitária do totem não coadunava com os autores que se debruçaram com o tema. Inexistia uma compreensão de função e utilidade: saciar a fome. (GOMES, 2014)

IV Capítulo: A caminho do intelecto

Como observa Mendes (2014), o capítulo intitulado A caminho do intelecto, é indicado como a maior preocupação de Levi-Strauss. Esse caminho pode ser traduzido sob diferentes aportes teóricos sobre o objeto da Antropologia: Pode, por exemplo, designar fenômenos culturais ou o próprio homem. Levi-Strauss preocupa-se em definir o símbolo e sua eficácia simbólica já contemplada em seus primeiros ensaios sobre Introdução a obra de Marcel Mauss e A eficácia simbólica. Levi-Strauss procura explicar como se deu a passagem da natureza à cultura. Persiste nessa temática desde As estruturas elementares do parentesco. Levi-Strauss estrutura seu pensamento em três momentos distintos, porém interrelacionados: pré-estruturalismo, estruturalismo e pós-estruturalismo. Esses três momentos estão explícitos, respectivamente, às suas obras acima citadas, ilustra bem o método levistrussiano que situa a huamanidade entre a natureza e acultura (op., cit.). Enquanto em Pensamento selvagem (capítulo 1), Levi-Strauss considera o totemismo como uma ação resultante do pensamento sobre a ordem social, o caminho do intelecto, significou a transição da natureza para a cultura, mas também do emocional para o racional, contudo sem opôs-se um ao outro, pois Levi-Strauss deixou claro noutra obra intitulada Ensaio sobre a origem das línguas que foram as emoções (os amores, o ódio, mas também a piedade), e não o intelecto, quem produziu os primeiros baubúcios, as primeiras vocalizações (SILVA, 1999).


V Capítulo: O totemismo visto de dentro

O argumento que Lolli (2014) trás, à luz de Lévi-Strauss, sobre seu último capítulo: O totemismo visto de dentro, é de que se trata de uma análise próxima do pensamento que Bergson faz do totemismo. Sztutman (2014), em acordo com essa afirmativa, esclarece que essa ideia é a de que, no totemismo, as representações do imaginário são exteriorizadas "para fora", subjacentes a uma forma concreta (totem). O contrário não se verifica, pois as questões sociais não se reduzem a um animal ou planta. Diferentemente, as questões sociais surgem das lógicas intelectuais. Aqui novamente uma questão é levantada: Por que a preferência pelos animais e vegetais? Em O totemismo visto de dentro, Lévi-Strauss retoma com toda força o problema colocado no Primeiro capítulo ao mencionar e referenciar a existência de uma evocação de piedade entre os homens e as espécies animais e vegetais. Seu pensamento sobre os seres é tomado de forma fixada e movente onde ambos(humanos e animais) se complementam no cosmo. Lévi-Strauss alega mesmo que todas as operações lógicas (passagem do animal ao homem; da natureza à cultura e do afetivo ao emocional) ocorrem pela identificação da alteridade do Eu com o outro.

 
REFERÊNCIAS


COELHO, Maria. C. O valor das intenções: dádiva, emoção e identidade. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2006.
TUTMAN, Renato. Natureza & Cultura, versão americanista: um sobrevoo. (Revista do núcleo de Antropologia da Usp. Disponível em http://www.pontourbe.net/04/sztutman-pu4.html. Acesso em 30/Ago., de 2014).
GARCIA-ROZA. Luiz. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Zorge Zahar, 1993.
GOMES, Mercio. Homenagem a Claude Lévi-Strauss. Disponível em http://merciogomes.com/2008/11/30/homenagem-a-claude-levi-strauss-4/. Acesso em 29/Ago., de 2014.
HEDGES, Lawrence. E. et al. Terapeutas em riscos:perigos da intimidade na relação terpêutica. São Paulo: Summus, 1997.

MENDES, Tássia. N. E. Levi-Strauss e tríade da estrutura: a linguagem, o simbólico e o inconsciente. São Carlos: UFSCAR, 2004.
 
KUPER, Adam. Reinvenção da sociedade primitiva: Transformações de um mito. Recife: Ed. universitária UFPE, 2008.


ROCHA, Everardo. Representações do consumo: estudos sobre a narrativa publicitária. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio Mauad, 2006.
ODRIGUES, Ivan. Epistemologia das Ciências Humanas: positivismo e hermenêutica - tomo 1. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
ILVA, Vagner. G. O sentir das estruturas e as estruturas do sentir: a poesia que Lévistrouxe. (Revista de Antropologia). vol. 42, nº 1-2. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77011999000100006. Acesso em 30/ Ago., de 2014.

STRAUSS, Claude Lévi. Totemismo Hoje. Petrópolis: Vozes 1975.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ressurreição, reencarnação, ancestralidade e o nada

Durkheim - a religião é um fato social

Antropologia Interpretativa