A importância do cidadão para a democracia pluralista
A argumentação de Shumpeter, Downs e Dahl.
A
democracia pluralista é um
modelo que reconhece no
cidadão um importante papel na definição da política pública,
pois para essa corrente de pensamento, através do pleito eleitoral
os cidadãos têm o poder de tomar decisões que
lhes são mais favoráveis e traduzam suas reais necessidades. No
entanto, reconhece que esta
participação não é
direta, isto é, não cabe
ao cidadão deliberar sobre as decisões políticas, pois ao escolher
por meio do voto aqueles que os representarão, o eleitor atua como
mero coadjuvante das plataformas políticas. Para compreendermos
melhor, vejamos os principais argumentos levantados por
três pensadores dessa corrente.
Como
observa Joseph Schumpeter, existem
praticamente dois grupos que disputam o poder, os
grupos políticos e os eleitores propriamente dito. Para o autor, o
objetivo do eleitorado nessa disputa política, resume-se em definir
qual grupo político subirá no poder para governar e decidir as
demandas, ou seja, maximizar soluções para os problemas que se
apresentam à grande maioria dos cidadãos. Mas,
Schumpeter reforça que não é o eleitor quem decide as prioridades
dos problemas sociais, mas sim, as elites no poder que conseguem
persuadir e manipular as decisões que o cidadão tomará
e quais questões sociais serão priorizadas. Com isso, Schumpeter
fazia clara distinção entre a democracia
antiga e a democracia moderna. O autor procura descortinar a doutrina
clássica empenhando fortes críticas aos conceitos como
por exemplo, sobre o
“bem comum”. Schumpeter
nega a existência de um “bem comum,” como quer a doutrina
clássica, pois inexiste um consenso sobre algo universalmente aceito
por todos. A noção de “bem comum” é um conceito muito amplo e
pode significar coisas muito diversas a
ponto de não ser capaz de ser apreendida as reais intenções dos
grupos políticos. Supor um “bem comum”, isto é uma objetividade
a tantos indivíduos e subjetividades diferenciadas, para Shumpeter,
é no mínimo um equívoco. Nesse sentido, “bem comum” torna-se
um conceito abstrato que por um lado não fere o modelo democrático
e por outro, acaba por se consolidar-se como força integradora de
soluções coletivas. Segundo
Schumpeter, o cidadão idealiza de alguma forma essa ideia de “bem
comum,”mas não tem uma opinião clara do que seja, pois mesmo seus
anseios e preferências podem facilmente sofrer alterações
externas. Para o autor, a vontade popular é o resultado de
todo processo eleitoral articulado
pelas elites dominantes.
Conclui sua análise pessimista
de que a teoria democrática resume-se às disputas entre as elites
para se manterem no poder, tentam
angariar
o maior número de votos que
podem acumular.
Artificializado pelas estratégias políticas, o eleitor desenvolve o
papel de mero coadjuvante na escolha dos grupos políticos e não na
participação da formação dos governos.
A
análise que Downs faz sobre a participação do cidadão no modelo
democrático, é uma preocupação voltada para as ações
individuais que, segundo Downs, repercutem diretamente nas
consequências coletivas. Para
Downs, há um conflito entre os objetivos e interesses individuais
com os interesses e anseios coletivos. Sua preocupação era
encontrar um meio de evitar que os vícios privados (subjetividades
pessoais) dos indivíduos subjugassem os interesses da coletividade.
Downs descreve um regime democrático com ênfase em três atores
principais, a saber: o governo, os partidos e os eleitores. Esses
atores possuem como característica comum a racionalidade e egoísmo,
pois estão sempre pensando em se dar bem ou tirar vantagens. Sua
perspectiva também procura dar relevo ao aspecto das eleições como
sendo um jogo de disputas entre os grupos políticos que servem
apenas para selecionar governos, pois são os governos que maximizam
o apoio político. Para Downs o objetivo de determinados grupos
políticos é um só: permanecer atuante no poder. No caso em que o
partido governante esteja no poder, mas tem sua atuação limitada ao
âmbito constitucional, de
modo geral esses partidos buscam a reeleição como maneira de
ampliarem sua influência e maximizar sua atuação. Para Dows, essa
medida é a forma encontrada pelos partidos para exercerem o controle
sobre o governo. No jogo eleitoral, os partidos políticos criam
metas que são relacionadas aos anseios do cidadão comum e interagem
com elas. Assim, por exemplo, os discursos sobre maximizar áreas de
grande interesse do eleitorado como saúde, educação, moradia,
segurança e emprego interagem com as metas do eleitor. Na
busca por selecionar um governo que corresponda aos anseios da
maioria dos cidadãos, o eleitor faz sua escolha com base na maior
oferta possível de benefícios. Para
Downs, os cidadãos fazem sua escolha racionalmente procurando
receber benefícios públicos.
No fundo, o sentido do voto do cidadão não é desinteressado, pois
deposita sua esperança no retorno de uma renda de utilidade. O
cidadão compara, calcula e só então decide com base na renda de
utilidades que melhor lhe seja
oferecido. Nesse
cenário, Downs concebe dois tipos característicos do voto do
cidadão: o retrospectivo e o prospectivo.
O
voto retrospectivo, segundo Downs, é o voto que decide a eleição.
Isso porque a decisão de uma eleição por meio de uma escolha,
requer do cidadão uma justificativa plausível que o eleitor
encontra na avaliação que faz, comparativamente, entre os governos.
Logicamente que essa
avaliação levará em conta as benesses desejadas e as que se
efetivaram, já no voto prospectivo o cidadão deve ter habilidade
para fazer estimativas do que poderá ganhar e qual será sua renda
de utilidades com base em duas hipóteses: a reeleição do governo
ou a ascensão da esquerda. É nesse momento que Downs percebe que o
cidadão introduz dois modificadores denominado de fator tendencial e
outro chamado de avaliação de antecessores. No fator tendencial, o
eleitor é movido por uma lógica de que houve ganhos significativos
e por isso mesmo, está tendenciado a ser melhor ainda mais. Já na
avaliação de antecessores, como o próprio nome sugere, o cidadão
compara subjetivamente o atual governo com outros passados antes de
decidir seu voto. Se em sua avaliação, perceber mais ganhos do que
perdas seu voto será favorável ao atual governo, porém se perceber
o contrário, favorecerá à oposição. Para Downs, o voto que
considera a avaliação de antecessores é mais comum em contextos
políticos em que há muitas
semelhanças entre os dois
grupos políticos rivais. Downs
destaca também, as
estratégias dos grupos de
interesse em informar as
ações do governo aos cidadãos a fim de influenciá-los. Esses
grupos são responsáveis pela escolha que o eleitor faz.
De acordo com Robert Dahl, a importância do cidadão para a
democracia está em garantir o exercício de suas ações (individual
e coletiva) por meio da formulação de suas preferências
permitindo-lhe expressá-las tanto aos seus concidadãos quanto ao
governo. Para que isso seja realizável os governos precisam
assegurar algumas garantias institucionais na consolidação de um
regime democrático plural: liberdade de expressão, de formar
organizações, direito de votar e assumir cargos públicos, direito
das lideranças políticas disputarem apoio, de terem acesso a fontes
alternativas de informação, participar de eleições livres e
idôneas e garantir que as políticas governamentais dependam de
eleições e outras manifestações de preferências. A observação
dessas garantias aos cidadãos reafirmam a legitimidade do regime
democrático. Para a teoria democrática a contribuição de Dahl é
inovadora, pois nosso autor se desvincula da explicação tradicional
que primava apenas as variáveis sócio-econômicas, sem considerar
os atores políticos. Contrariando esse determinismo econômico, Dahl
propôs uma análise de natureza eminentemente política, desafiou
aqueles argumentos e em seu lugar direcionou seu olhar para o nível
de inclusividade e de liberalização dos regimes políticos. Dahl
observa que esses níveis é que são determinados pelos atores
políticos e não através do nível de desenvolvimento econômico ou
tamanho da classe média.
Na análise de Dahl a importância do cidadão em sistemas
democráticos está nas condições criadas para que atores políticos
possam exercer tanto a contestação pública quanto a competição
política. Além do alcance dessa dimensão, Dahl sugere a inclusão
de um número muito maior de atores que possibilitem maior
inclusividade no sistema e grande liberalização, contudo, reconhece
que é preciso criar as condições necessárias para que esses novos
atores políticos tenham capacidade de representar uma frente de
oposição. Desse modo, aumentando a contestação pública e a
participação política têm-se um cenário onde as decisões
políticas precisam considerar a inclusão de novo atores e seus
respectivos interesses e preferências recém-incorporados. Dahl não
descarta a eminência de conflitos ao incorporar um número muito
maior de cidadãos, mas é esta a maneira mais plena de se
experienciar um regime democrático.
Somente através do aumento da competição e da inclusão de novos
atores políticos torna-se possível uma reorganização dos
diferentes grupos políticos e o sistema partidário já
consolidados. Segundo Dahl, essa incorporação além de ampliar a
participação do cidadão, contribui para mudar as plataformas
políticas e a reorientarem sua ideologia, seus discursos e plano de
ação, inclusive agregando positivamente ao novo cenário aqueles
segmentos da sociedade ainda não representados. Com maior
participação dos cidadãos na política, há uma expectativa de que
os cidadãos se conscientizem mais pelos assuntos políticos,
participem efetivamente dos debates, pois os grupos políticos
convergirão para os cidadãos na tentativa de ganharem sua
preferência na corrida à representação pública.
De que maneira as regras eleitorais influenciam os ideais
normativos de responsabilização e proporcionalidade? Considere os
argumentos levantados pelos institucionalistas.
As
regras eleitorais, nas
sociedades contemporâneas
são responsáveis por
maximizar tanto as
orientações majoritárias
quanto as de cunho proporcionalistas.
Sua elaboração tem como objetivo propiciar com clareza a
responsabilidade dos representantes (majoritárias)
assim como
a inclusão de interesses da maioria da população
(proporcionalistas).
Desse modo, as regras
eleitorais balizam entre as diferentes orientações procurando
ofertar em certa medida um equilíbrio entre as forças divergentes.
Para os institucionalistas, na
prática, o
que se observa é
que as regras eleitorais atendem a interesses específicos, atenuando
sua linha de ação para
determinado grupo social
dominante. Se para a
corrente majoritária, seus objetivos são melhores alcançados em
ambientes de baixa magnitude e com lista aberta, o mesmo não ocorre
para a corrente proporcionalista que vê na maximização do número
de interesses, o ambiente favorável para a representação política.
A contraposição entre a corrente majoritária e a proporcionalista
contribuem para a discussão
sobre a responsabilização e a proporcionalidade dos ideais
normativos e da maneira como interagem com as regras eleitorais.
Assim
sendo, se por um lado a responsabilização procura incorporar novas
perspectivas e interesses ao processo político, por outro lado, a
ligação entre representantes e representados não
constitui responsividade e menos
ainda responsabilização.
A responsabilização cede lugar para a expectativa da base eleitoral
dos representantes, pois como inexiste uma responsabilização
direta, na
prática são os
partidos políticos quem
fazem as cobranças. A responsabilização pode ser entendida como
ideais normativos simples (quando a ênfase recai sobre o eleitor e o
eleito) e complexa (quando se dá por meio de poderes constitucionais
entre representantes e a sociedade).
Outra argumentação dos
institucionalistas é de que os ideais de proporcionalidade além
de favorecerem a ampliação de interesses, contribuem também para
uma maior interação
com os sistemas de governo, chegando a ser cogitado como
regras eleitorais, no
entanto sua eficácia está condicionada a contextos de distritos com
alta magnitude. Na visão proporcionalista, o poder não pode
continuar centralizado em favor da responsabilização, mas
ao contrário, deve está disperso em favor da maximização da
inclusão de interesses.
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