Godelier e os símbolos


Maurice Godelier, considerado um pensador marxista estrutural, dedicou-se aos estudos das sociedades pré-capitalistas, ao modo de produção asiático e à Antropologia econômica. Em suas pesquisas sobre as estruturas econômicas, estruturas de parentesco e as estruturas religiosas, elabora sua teoria sobre correspondências. Seu pensamento absorveu influências da antropologia de Claude Lévi-Strauss, na década de 1980, e do historiador Fernand Braudel de 1960 a 1963. Dedicou-se a fazer uma pesquisa de campo na Oceania, entre os povos Baruya de Papua-Nova Guiné. De onde resultou sua obra intitulada La production de grands hommes: pouvoir et domination masculine chez les Baruya de Nouvelle-Guinée. Ao investigar as relações de poder entre quinze clãs organizados pelo sistema patrilinear, revelou que essas relações eram baseadas através da divisão do gênero. Essa divisão sexual, que caracterizavam os papéis sociais de cada um no meio social, era responsável pela acentuação do imaginário e do simbólico – elementos atuantes tanto nas relações quanto nas reproduções sociais. Nessas sociedades, a participação da mulher na reprodução não é compreendida, fortalecendo ainda mais o poder masculino (REVISTAS ESTUDOS POLÍTICOS, 2011).

A primeira providência que Godelier procura elucidar é a distinção entre imaginário e simbólico. E o faz contrariando Lévi-Strauss, para quem o simbólico triunfaria sobre o imaginário e sobre o real (GODELIER, 2001). Critica o fato de Lévi-Strauss ter omitido os mitos presentes nos rituais indígenas da Amazônia – indispensáveis para a compreensão dos contratos sociais, lamenta Godelier. Godelier concebe que uma relação social só se torna realidade quando o imaginário e o simbólico (distintos e inter-relacionados), são processados pelo partilhamento-comunicação-institucionalização.

Embora Godelier, reconheça a existência do Dom em todas as sociedades, defende que o Dom não é igual para todos. Para a compreensão da vida em sociedade, isto é, das relações sociais que se manifestam nas explicações teóricas partem de um pressuposto material, como por exemplo a economia e o dinheiro, porém algumas destas relações só podem ser apreendidas a partir da análise do fenômeno simbólico, pois segundo Godelier as relações sociais são fenômenos complexos demais para se resumirem a uma explicação utilitária da economia (apud. MELO, 2010). Aquilo que se ver, que pode ser percebido nos âmbitos das relações sociais, só pode ser compreendido através dos rituais, dos gestos, das instituições sociais, nas igrejas e representações. No interior das relações econômicas, políticas e também das relações religiosas, subsistem elementos essenciais que dão significados a essas relações e materializam as práticas simbólicas em práticas sociais, institucionalizando-as. Essas relações obedecem a um processo segundo qual houve um partilhamento inicial (por exemplo, as ideias de pecado, interdição sexual, etc.), esse acontecimento foi comunicado ao maior número de pessoas e sucessivamente legitimado e institucionalizado ou tipificado (DOTTI, 2010).

Os ritos sociais faziam parte da vida do homem desde tempos imemoriais. Atualmente se verifica a extensão dos ritos de nossos ancestrais comuns em vários aspectos da vida social e das relações com os indivíduos. Os rituais estão presentes praticamente em todas as fases da vida: nascimento (batismo, circuncisão, mutilação do clitóris); desenvolvimento (ritos de passagem para a puberdade, noivado, casamento) e morte (ritos mortuários, missais). A presença inconteste desses rituais alude aos interessantes trabalhos de Mauss e Godelier para se pensar a função dos ritos nas sociedades (CONCEIÇÃO, 2009).

Segundo Maria Cláudia Coelho (2006), Godelier rastreia o caminho percorrido por Mauss, fazendo da distinção do simbólico e do imaginário seu eixo teórico principal. O pontapé inicial que inquietava Godelier no Ensaio sobre a dádiva, era afirmação da existência de uma trilogia de obrigações: dar-oferecer-restituir aos deuses. Godelier, propõe que a centralidade da troca para a vida social baseia-se na articulação de duas dimensões: o imaginário e o simbólico. O social deve ser compreendido a partir desses dois elementos que se diferenciam entre si, mas se complementam (COELHO, 2006).


REFERÊNCIAS


COELHO, Maria. C. O valor das intenções: dádina, emoção e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

CONCEIÇÃO. Joanice. S. Rituais mortuários: espaço de construção identitária. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/094/94conceicao.htm. Acesso em 11/ Set./14.

DOTTI, Marco. Tribos sem totem: entrevista com Maurice Godelier. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/32580-tribos-sem-totem-entrevista-com-maurice-godelier. Acesso em 11/Set./14.

GODELIER, Maurice. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001.

MARTINS, Silva. Antropologia, marxismo, História, globalização. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=X9GGQ_4EhgM#t=1001. Acesso em 09/Set/14.




REVISTAS ESTUDOS POLÍTICOS: Entrevista com Maurice Godelier. s.l. s.n. 2011 (nº 2. pág. 2-20).








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