Marshall Sahlins - características e obra

Observações sobre as características da produção acadêmica de Marshall Sahlins.


Na apresentação à edição brasileira do livro História e cultura, de Marshall Sahlins, Gilberto Velho, professor de Antropologia social e membro da Academia Brasileira de Ciências do Rio de Janeiro, classifica Marshall Sahlins como escritor versátil e um importante antropólogo que tem muito de suas obras publicadas no Brasil. Escritor incansável, dedica-se há mais de 40 anos em elucidar questões da Antropologia contemporânea, numa trajetória diversificada, revisões de perspectivas, mas sobretudo, despertando reflexões provocantes no cenário acadêmico.1 Um importante trabalho de Marshall Sahlins para a Antropologia pode ser conferido em Sociedades tribais. Nesta obra o autor critica a imaginação ocidental por cunhar nos povos que habitam a natureza e com ela se relaciona, a insígnia de “bárbaro”, “selvagem”, “primitivo”. “satisfeitos com nós mesmos, desprezamos os primitivos por a eles faltarem nossas vantagens. […] e se estivermos nos sentindo liberais, podemos até conceder que eles tenham alguma coisa a nos ensinar, talvez sobre o respeito ao meio ambiente!” (KUPER, 2008: 11).

Especulando as tribos da Melanésia e Polinésia, em seu trabalho seminal, Marshall Sahlins elucidou como se dava a mudança de sistemas políticos com base em um parentesco para estados. Sahlins já havia abandonado o materialismo e passara a tratar a cultura como um sistema simbólico. Na década de 1978, Sahlins lançou uma explicação sobre a economia doméstica de variados povos como os bosquímanos, os !Kung, Hazda, Pigmeus, grupos inuit, aborígenes e caçadores-coletores da Amazônia, enfatizando o modo de produção familiar, em que era produzido o suficiente para a subsistência familiar. Aclamou ainda a originalidade dos !Kung que em sua economia praticava a divisão do trabalho.2 A abundância da economia doméstica, não é uma compulsividade gerada pela escassez do meio, assinala Sahlins, mas resultado de padrões ortodoxos de produção (MOURA, 2004). Por analogia, Sahlins desfaz o engodo de que os “selvagens” vivem em estado de guerra, devido a inexistência de uma concepção de Estado que salvaguardasse a paz entre os povos. Sahlins comunica que em seu trabalho etnográfico testificou que embora a eminência de uma guerra fosse constante, ela jamais se concretizava. A sabedoria tribal, os laços parentais sempre se convertiam em tratados de paz, efetivando o conflito na ordem do ritual e cerimônias (FLORENTINO; GOÉS, 1997).

Um dos trabalhos mais polêmicos de Sahlins refere-se a associações que o autor fez entre um mito Transcendente dos povos havaianos por ocasião da chegada do britânico, capitão James Cook. Nesse trabalho, Sahlins discorrendo sobre o conceito de mitopráxis explica que havia entre os havaianos um mito cosmológico sobre o deus Lono que para os nativos a crença nessa mitologia foi cumprida com a chegada de Cook às ilhas (SILVA, 2002). [“...] os eventos da visita de Cook ao arquipélago do Havaí em 1778 e 1779, com ênfase na evidência documental de que ele foi saudado na ilha como uma personificação do deus do ano novo, Lono” (SAHLINS, 2001: 34). O autor descreve a chegada de Cook como a parusia de uma profecia que acabara de se realizar. Outro impacto advindo das relações entre havaianos e britânicos, é o tabu observado por esses povos, e a dessacralização, profanação desses costumes pelos britânicos, como por exemplo a presença de mulheres durante as refeições.

Com essa narrativa, Sahlins (2003) considera que o mito havaiano foi a moldura necessária para enquadrar o capitão James Cook numa personificação transcendental. O imaginário dos havaianos viram atracar em suas ilhas, do além horizonte celestial, da qual lhe falavam os antigos chefes da tribo, a figura do capitão Cook. Agora, Lono (SAHLINS, 2003).Apesar de criticado, Marshall Sahlins ilustra os processos simbólicos e a mitopráxis dos povos caçadores, destacando ainda a produção econômica substantivista frente ao modelo ocidental.


 

REFERÊNCIAS



FLORENTINO, Manolo; GÓES, José. R. A paz das cenzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1997.


KUPER, Adam. A reinvenção da sociedade primitiva: transformações de um mito. Recife: Ed. universidade da UFPE, 2008.


MOURA, Mauro. Castelo-Branco. Os mercadores, os templos e a filosofia: Marx e a religiosidade. Porto Alegre: EDIPUCRGS, 2004.


SAHLINS, Marshall. D. História e cultura. Rio de Janeiro: JorgenZahar, 2006.


SAHLINS, Marshall. D. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.


SAHLINS, Marshall. D. Como pensamos os “nativos”: sobre o capitão Cook, por exemplo. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001.

SILVA, Cristhian. T. Sobre a interpretação antropológica: Sahlins, Obeyesekere e a racionalidade havaiana. (Revista de Antropologia. Vol. 45. nº. 02.). Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7701200200020000. Acesso em 13/ Set./ 14.

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