O ato de votar: um diálogo com Schumpeter, Tocqueville e Vieira


Decidir ou não decidir, que diferença faz o seu voto? 

Para Schumpeter (apud. Amantino, 2014), os princípios democráticos da teoria clássica, como por exemplo o bem comum, segundo a qual o povo tem uma opinião formada e racional e deve ter seus anseios observados pelos seus representantes e guardiões diretos: os políticos. Na prática o que se verifica são os privilégios de uma minoria que confunde seus próprios interesses com os interesses do grupo. Mas, a ideia de bem comum é logo desfeita por Schumpeter, pois essa suposta natureza universal que se dizem, falaciosamente, traduzir a vontade popular, é na verdade uma estratégia de poder, visto que não é possível traduzir todas as subjetividades, diga-se de passagem, são inumeráveis e até contraditórias a ponto de pôr em risco o próprio regime político. Outro conceito clássico que Schumpeter desconstrói é o de soberania popular. Para Schumpeter soberania popular não passa de uma quimera, pois não é o povo quem governa, mas seus representantes (democracia representativa) como também não são os anseios populares que são satisfeitos. Para Schumpeter, nos regimes democráticos, prevalecem a vontade dos grupos dominantes uma vez que não é possível estabelecer com precisão os anseios da maioria.

Nos países democráticos é comum proclamarem-se “urbi et orbi”, isto é, que todos são iguais perante a lei, mas Vieira (1989) observa que o que prevalece é “per fast et nefas”, algo que soa como impunidade, ou seja, se não for pelo lícito, será pelo ilícito, a qualquer custo, de qualquer modo para se chegar a um fim que não seja a justa medida ou a igualdade de direitos. “No Brasil, fala-se muito em democracia. Mas nem o povo, nem os legisladores, nem os juristas, nem mesmo o Governo estamos educados para o exercício da democracia (…) porque é muito nosso confundir democracia com liberalismo”(VIEIRA, 1989:160). O autor procura denunciar o estado de ignorância política em que a população brasileira vive, mas também dar visibilidade as desigualdades e o abismo que existe entre teoria e prática.

Para Tocqueville, existe estreita relação entre liberdade e igualdade, pois estava convencido de que a liberdade, especificamente a liberdade religiosa e a liberdade moral, foi o fundamento e o fermento de todo poder civil. Quando Tocqueville identifica igualdade e democracia como um princípio único e não contraditório, constrói uma tipologia de democracia nos moldes de Weber. O ponto mais forte de sua análise recai sobre a natureza da democracia segunda a qual o processo democrático é um processo ininterrupto, contudo o que vai definir um governo democrático como tirano ou liberal é a ação política do povo. Na construção desse processo pode ocorrer alguns desvios perigosos que Tocqueville denomina de sociedade de massa e então, nesse modelo, o perigo recai sobre o temor de que a decisão da maioria subjugue ou destrua a minoria. Outro desvio apontado por Tocqueville é o Estado autoritário-despótico onde as decisões estão sobre a tutela de um individualismo pernicioso.

O sistema eleitoral brasileiro tem se mostrado como o apanágio a serviço dos grupos dominantes por meros 500 anos. Nesse ínterim, as relações de poder continuam bem definidas entre um grupo que manda, se enriquece emanando poder e prestígio, e outro que é comandado, empobrecido pelo sistema político e econômico. O voto, segundo Schumpeter, é a moeda para comprar a soberania, os direitos, a cidadania. Por meio do voto, as elites dominantes disputam o controle e as riquezas produzidas pela maioria dos trabalhadores, pois os que trabalham não lucram enquanto os que lucram não trabalham. O lobo hobbesiano sobrevive.




REFERÊNCIAS


AMANTINO. Antônio K. Democracia: a concepção de Schumpeter. Disponível em . Acesso em 08 de Nov., de 2014.


BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1998.

VIEIRA, Antônio. Filosofia política e problemas jurídicos. Fortaleza: Secretaria de cultura, turismo e desporto, 1989.

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