A compreensão de Gilberto Freyre sobre o equilíbrio de antagonismos na formação do Brasil,
Dimensões de harmonização e conflitos na formação do povo brasileiro.
Segundo Rodrigues
(2015), apesar de Gilberto Freyre ser considerado um autor popular,
também é um dos autores mais polemizado pela divulgação de suas
ideias. Uma dessas polêmicas envolve a teoria da miscigenação
cultural – traço estruturante de sua obra para a compreensão dos
conceitos de equilíbrio e antagonismo, mas também para o
desenvolvimento de um pensamento que tenta explicar a formação do
povo brasileiro a partir de três grupos étnicos: o português, o
indígena e o africano. Em sua obra Casa-Grande & Senzala,
Gilberto Freyre tira a ênfase que muitos autores que o precederam
deram as raças, e direciona seu foco para outra discussão: a
cultura. Essa postura será marcada por mudanças profundas na
interpretação sobre a sociedade brasileira, pois oferece uma
releitura otimista e um estilo de maior alcance do público¹.
O conceito de
equilíbrio de antagonismos em Freyre, não é uma ideia original,
pois se verifica o uso do termo na Inglaterra em discussões sobre
conciliação de interesses entre os diversos grupos populacionais.
Ambientado nessas discussões, e sob a influência de Carlyle,
Spencer e Giddings, foi que Gilberto Freyre introduziu o conceito de
equilíbrio de antagonismos em Casa-Grande & Senzala observando
paralelos na formação cultural do Brasil. Enquanto que na
Inglaterra a conciliação de diferentes interesses de vários grupos
tinham como expressão as negociações parlamentares e publicistas,
no caso brasileiro as negociações de conciliação de interesses
entre as culturas indígenas, africanas e do colonizador português
eram efetivadas no núcleo da família patriarcal e na vida
erótica-sexual (RODRIGUES, 2015).
Para Freyre, a
realidade colonial tinha várias dimensões. Essas dimensões de
conciliação desempenhavam uma função importante no
desenvolvimento da tradição de convivência em muitos setores da
vida social brasileira. Freyre analisou a vida social brasileira com
base em diversas dimensões como a vida doméstica, afeições
familiares, tradição cultural, etc. Na ausência de um Estado que
mediassem os conflitos entre os diferentes grupos, a dimensão
familiar que é
caracterizada
pela afetividade e vida doméstica, as interações entre dominantes
e dominados, entre a Casa-Grande e a Senzala, além de ganharem
notoriedade funcionavam como modulação dos conflitos, permitindo
certa estabilidade na ordem social. Segundo Freyre, a dimensão
familiar é assinalada pelo sistema patriarcal, em que o estudo do
funcionamento dessa célula, no contexto da colônia, torna-se
indispensável para a compreensão das estruturas sociais que
originaram o povo brasileiro. Para Freyre a valorização desses
laços também constituiu em pilar vital para o surgimento do
Brasil-nação (RODRIGUES, 2015).
O
patriarcalismo em sua obra Casa-Grande Senzala é analisado
como um sistema de organização social originado no seio do modelo
das elites agrárias fundiárias em que a estrutura social se
desenvolveu no Brasil. Não obstante, essa característica contribuiu
grandemente para compreender a formação da sociedade brasileira e
de como o espaço político sempre favoreceu aos antagonismos
profundos, porém equilibrados. Por meio da dimensão familiar e
erótica-sexual mantiveram-se o equilíbrio harmônico das relações
sociais, fazendo do sistema patriarcal uma instituição social capaz
de se sobrepor a um Estado ausente e colocar a própria hierarquia da
igreja submetida ao patriarca. Paulatinamente, a estrutura
patriarcalista vai sendo estendida a um número maior de indivíduos,
passando da dimensão familiar para a social, garantindo uma ordem
social equilibrada (BASTOS, 2015). Mas como se deu a união de grupos
de interesses tão diversos no território brasileiro? É Rodrigues
(2015) quem responde. As formas de afeição e junção social dos
diferentes grupos só foram possíveis porque as similaridades
culturais e materiais existentes entre as três matrizes étnicas,
foram maiores do que as dimensões da violência e brutalidade a que
estavam atrelados o processo de colonização. Embora o colonizador
português tenha estimulado conflitos entre escravos e senhores
através do sistema econômico monocultor, por outro lado seu ethos
anárquico e sua plasticidade absorviam o excesso, a volúpia, a
satisfação do desejo. Freyre crê nesse conjunto de possibilidades
como pontos em comum entre os diferentes grupos, mas também pelo
fato do colonizador português saber lidar com situações de
conflitos do entrechoque de diferentes culturas, que lhe confere um
singular aprendizado cultural. De um lado acirrando as dimensões
conflituosas, e por outro lado assimilando parcialmente sua cultura,
mas, sobretudo harmonizando as relações entre dominadores e
dominados.
No
parágrafo final do primeiro capítulo de Casa-Grande & Senzala,
Freyre se concentra em observar a presença de vários elementos
opostos que ele chama de antagonismos. Para Freyre os antagonismos
são uma série de elementos contraditórios presentes no colonizador
e no colono. Essas contradições parecem adormecidas, pois que não
se revelaram conflituosas. Desse modo se tem o interesse pessoal
versus a índole, os vícios versus a virtude, a violência versus o
humor erótico, a pouca iniciativa individual versus o patriotismo
vibrante, assim o autor vai delineando um caráter extremamente
dualista. Freyre utiliza termos como “povo indeciso,” que se
situa “no meio,” “gente flutuante” e também menciona o termo
equilíbrio de antagonismos, hora citando Ferraz de Macedo, hora
citando o conde Hermann de Keyserling e ainda Alexandre Herculano: “o
bambo equilíbrio de antagonismos reflete em tudo o que é seu,
dando-lhe ao comportamento uma fácil e frouxa flexibilidade, às
vezes perturbada por dolorosas hesitações”(FREYRE, 2003:67). Por
equilíbrio entende-se essa capacidade de reunir tantos contrários
no mesmo contexto sócio-histórico sem uma consciência de que um
grupo explora, enquanto outro é explorado. Na cultura, o equilíbrio
de interpenetrar diferentes valores e costumes: do indígena, do
africano e do europeu; na economia, a consorte de prover a
agricultura e criação, mas também a comercialização e
urbanização, equilibrando o campo e a cidade; na política, a
existência ao mesmo tempo do senhor de engenho, do clero e do Estado
português; na organização social, forças paradoxais como a mão
de obra escrava e o senhor de terras, um que manda e outro que aceita
sua condição.Por todos esses antagonismos, Freyre reconhece como
especialíssimo caráter sui generis o modo como se desenvolveu a
colonização do Brasil: uma organização social outrora
equilibrada, permanecendo nos dias de hoje sobre velhos antagonismos (FREYRE, 2003).
REFERÊNCIAS
BASTOS, Elide. R. Gilberto freire e o tema da miscigenação. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=uy0kou2CcaY. Acesso em 06 de abril de 2015.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da família patriarcal. São Paulo: Global, 2003
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da família patriarcal. São Paulo: Global, 2003
RODRIGUES.
Fernando J. Pensamento
social brasileiro.
s. l. s.n., 2015.
[livro
para EAD – sociologia 4].
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