Características do conceito de homem cordial e o sentido dele em Raízes do Brasil

Ao se referir as características que são genuinamente brasileiras, Sérgio Buarque de Holanda dedicou o capítulo cinco de Raízes do Brasil a esse esclarecimento sobre o homem brasileiro e sua contribuição. Aliás, a contribuição dos brasileiros à civilização está nas relações de cordialidade.¹ A Ihaneza é destacada por Sérgio Buarque como característica ímpar, uma virtude que tem grande peso em suas relações sociais e que são estendidas ao estrangeiro. A cordialidade a que discorre o autor está na hospitalidade e acolhimento de como se configurou o encontro entre as diferentes culturas. Assim o autor vai definindo o caráter do povo brasileiro, baseado nos seus aspectos mais peculiares como a generosidade e franqueza no relacionamento social e seu espírito acolhedor. No entanto, seria um erro supor que essas características são inatas aos indivíduos. Antes, essas características são construídas sócio e historicamente no núcleo da família tradicional, o homem cordial é produzido no interior dos contatos primários das relações pessoais onde imperam o sentimento de pertencimento e o apelo às emoções, onde há predominância das vontades particulares. Na ausência de um padrão que modelasse as interações entre os indivíduos, as relações familiares serviram de modelo obrigatório para as relações sociais entre os brasileiros, no entanto ressalta que o Estado não é uma extensão do círculo familiar. O homem cordial não é uma característica excessivamente prosaica sobre o brasileiro, Sérgio Buarque desfaz esse engano: “seria engano supor que essas virtudes possam significar ‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante” (HOLANDA, 1995).

O homem cordial não significa o mesmo que homem bondoso. O significado de homem cordial que Sérgio oferece é outro, pois sendo o homem cordial formado no núcleo da estrutura familiar defini-o como aquele que desenvolve suas relações através da simpatia, isto é, a predominância dos comportamentos aparentemente afetivos, suas manifestações externas carecem de sinceridade e profundidade, resiste ao ritualismo e a polidez. No entanto, no plano dos afetos reverbera, exacerba copiosamente para formar laços sociais como também para romper violentamente com essas relações.
Em o homem cordial, Sérgio Buarque procura localizar características que são próprias dos brasileiros, como por exemplo, as “relações de simpatia”. As “relações de simpatia,” segundo o autor, foram um dos principais entraves que obstaculizaram a incorporação das relações impessoais decorrentes do Estado. Nesse quesito sempre houve tentativas conservadoras e de resistência a fim de reduzir as relações impessoais ao padrão afetivo e pessoal. O homem cordial é aquele que valoriza as afinidades e intimidades concebidas no seio da família patriarcal, o favoritismo dos grupos primários, em detrimento da posição e do status advindos da diligência (HOLANDA, 1995).

Para Ferreira (2015), a base do homem cordial de fato se encontra em sua aversão às relações impessoais, a cordialidade é sua característica mais marcante no convívio social. No entanto, a cordialidade não se refere a bondade excessiva, como acima mencionado, mas a uma manifestação latente de diminuir fronteiras hierárquicas, a rigidez das leis e regras impessoais, ao formalismo religioso, buscando com isso um ponto de intersecção que se encontra no afeto. A cordialidade revelou o espírito do brasileiro para a vida social, sua capacidade de se articular como povo e de estender essa teia de relações com outras culturas.

Na acepção desenvolvida por Sérgio Buarque, a cordialidade não remete à civilidade e boas maneiras da cultura europeia, mas de um homem entregue as emoções bruscas e extremadas, incinerado pela carga de ódio e violência abrupta. Sua cordialidade se configura na tendência que tem para se aproximar dos outros assimilando suas diferenças, como para rupturas bruscas. O distanciamento e também a aproximação na concepção de Sérgio Buarque de Holanda é compreendida a partir do dimensionamento de vários elementos que em sua fase embrionária produziu o homem cordial: estágio de atraso, estrutura psicológica irracional (intensidade afetiva), familiaridades nos negócios, clientelismo no Estado e racionalismo estatal impessoal lastreada no afeto das relações de simpatias e antipatias (RODRIGUES, 2015).







REFERÊNCIAS



FERREIRA, Ana. L. L. Antropologia 4: a antropologia no Brasil. Disponível em http://ava.ead.ufal.br/pluginfile.php/110095/mod_resource/content/1/livro%20b%C3%A1sico20de%20Antropologia%204.pdf. Acesso em 04 de Abril de 2015.

HOLANDA, Sérgio. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1995.



RODRIGUES, Fernando. J. Pensamento social brasileiro. [s.l.]. [s.n.], 2015.

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