Contribuição de Sérgio Buarque de Holanda para a Ciência Social Brasileira

Entre os autores que se debruçaram sobre a História colonial do Brasil na busca de uma linha de identidade histórico-social, a obra de Sérgio Buarque de Holanda, intitulada Raízes do Brasil, tem figurado entre as mais importantes contribuições explicativas sobre a formação psicocultural do Brasil no âmbito da Ciência Social Brasileira. Além disso, seu livro junto com outras obras trazem inovações para um melhor entendimento sobre aquilo que se convencionou chamar de pensamento brasileiro. Revisitando nosso passado, a exemplo de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil propõe um campo teórico sem saudosismo de um Brasil que não volta mais, sem a nostalgia dos engenhos e da paisagem das fazendas (FERREIRA, 2015).

Seus esforços desconstruíram alguns mitos que, no decorrer da História, foram incorporados à cultura brasileira, obscurecendo com isso, o que de fato era genuíno e o que havia sido transplantado pelo processo civilizador. Embora Sérgio Buarque reconheça que nossa cultura legou às gerações póstumas um emaranhado sistema político caracterizado pelos interesses pessoais de uma elite dominante que confronta com os interesses dos grupos dominados. O autor não descarta a possibilidade de o país reconstruir sua estrutura social. Seus conceitos polares estão voltados para discutir questões densas como o ser e a estrutura moral brasileira pautada na metodologia dos contrários (CÂNDIDO, 1971 apud FERREIRA, 2015).A metodologia dos contrários é responsável por ampliar ainda mais a dicotomia da reflexão sobre a América Latina. O enfoque simultâneo dos contrários utilizado por Sérgio Buarque emprega uma tipologia weberiana, mas faz adequações, focaliza pares ao invés de pluralidade e substitui o estilo descritivo pelo dinâmico (HOLANDA, 1995).

A inspiração argumentativa de Sérgio Buarque de Holanda vem de uma perspectiva diferente daquela adotada em Casa-Grande e Senzala. Além de Fornecer importantes elementos sobre as posturas políticas da colônia, dominada de um lado pelo senso da descrença no liberalismo tradicional e por outro a procura de novas alternativas políticas, Sérgio Buarque delineia suas ideias sobre fortes influências teóricas da nova história social dos franceses, da sociologia alemã e determinadas teorias sociológicas (que remete a Simmel) e etnológicas. Sérgio traz elementos de uma visão sobre o Brasil que coaduna com o pensamento contemporâneo por meio da denúncia do preconceito racial, valorização do mestiço, critica os fundamentos patriarcalistas e ao sistema econômico agrário (HOLANDA, 1995).

Para Ferreira (2015), as ideias-chaves do pensamento de Sérgio Buarque podem ser compreendidas a partir das características que o autor delineia em seu pensamento como, por exemplo, a ideia de território-ponte, o personalismo, a estrutura social, o autoritalismo e a falta de exclusivismo racista. Ao descrever a colonização ibérica, Sérgio Buarque argumenta que Portugal, Inglaterra e Espanha serviram como territórios-ponte nas relações comerciais e políticas entre a Europa e outros países, inclusive o Novo Mundo. Já o personalismo é o que o autor chama de cultura da personalidade desenvolvida por Portugal e Espanha graças às descobertas marítimas e o espírito aventureiro que contribuíram para inscrever seus nomes no “coro europeu”. Outra ideia crucial elencada por Sérgio é a noção de uma estrutura social frouxa, Sérgio Buarque traz à luz uma discussão sobre a estrutura social, faz uma reflexão de que o modelo que foi implantada na colônia se mostrou fraco, isto é, não tinha uma hierarquia rigidamente controlada pelos papeis que cada um desempenhava, mas era sucumbida pelos interesses das elites familiares patriarcais. O tema do autoritalismo é o argumento entendido como a satisfação das vontades (e do abuso) daquele que está no poder, segundo o autor, esta característica marca o prelúdio da cultura brasileira. Por último, explora a falta de exclusivismo racista, um contraponto que imperava no contexto europeu e um possível diálogo com Gilberto Freyre (para quem a miscigenação havia equilibrado o conflito). Sérgio Buarque via na miscigenação uma forma de inclusão, uma possibilidade de ascensão, pois embora essa incorporação fosse realizada através do trabalho, essas relações possibilitaram trocas culturais, incorporação de costumes, aprendizado de técnicas. Essas interpenetrações culturais marcaram a colonização portuguesa pela capacidade de adaptabilidade ao meio (FREITAS, 2000).




 Capítulo V de Raízes do Brasil, “O Homem Cordial” e a influência da colonização portuguesa na formação da subjetividade do povo brasileiro.



Em o homem cordial, Sérgio Buarque procura localizar características que são próprias dos brasileiros, como por exemplo, as relações de simpatia. As relações de simpatia foram um dos principais entraves que obstaculizaram a incorporação das relações impessoais decorrentes do Estado. Nesse quesito sempre houve tentativas conservadoras e de resistência a fim de reduzir as relações impessoais ao padrão afetivo e pessoal. O homem cordial é aquele que valoriza as afinidades e intimidades concebidas no seio da família patriarcal, o favoritismo dos grupos primários, em detrimento da posição e do status advindos da diligência. Surge em seu trabalho conceitos de patrimonialismo e burocracia (de orientação weberiana) para compreender a existência do desequilíbrio na estrutura social (HOLANDA, 1995). Para Ferreira (2015), a base do homem cordial de fato se encontra em sua aversão às relações impessoais, a cordialidade é sua característica mais marcante no convívio social. No entanto, a cordialidade não se refere a bondade excessiva, mas a uma manifestação latente de diminuir fronteiras hierárquicas, a rigidez das leis e regras impessoais, ao formalismo religioso, buscando com isso um ponto de intersecção que se encontra no afeto. A cordialidade revelou o espírito do brasileiro para a vida social, sua capacidade de se articular como povo e de estender essa teia de relações com outras culturas.



REFERÊNCIAS


FREITAS, Moraes. C. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2000
FERREIRA, Ana. L. L. Antropologia 4: a antropologia no Brasil. Disponível em http://ava.ead.ufal.br/pluginfile.php/110095/mod_resource/content/1/livro%20b%C3%A1sico20de%20Antropologia%204.pdf. Acesso em 04 de Abril de 2015.
HOLANDA, Sérgio. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1995.





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