Analisando o filme BESOURO

Em linhas gerais, trata-se de um filme ambientado em Santo Amaro, numa cidade localizada no recôncavo baiano do Estado da Bahia. Portanto, no filme estão muito presentes as relações sociais que se deram entre ex-escravos, feitor e senhor de engenho, estendidas mesmo após a abolição da escravatura de 1888. O autor aborda temas presentes do cotidiano como a marginalização da capoeira que culmina na perseguição e morte do mestre Alípio, as dificuldades que os ex-escravos tiveram para se inserir no novo modelo econômico pré-industrial e agrário. O preconceito racial, o status e os papéis sociais são a tônica do filme numa trama que mistura luta pela igualdade, amor, traição e violência. 1

Observa-se que a prática da capoeira, o candomblé e outros elementos da cultura afro brasileira, no pós-abolicionismo, ficaram restrita as comunidades afrodescendentes. O filme retrata o cenário em que homens, mulheres e crianças foram isolados dos direitos civis e sociais, vivendo em condições precárias de existência. Em parte, isso se explica devido a dificuldade de adaptabilidade ao trabalho livre. Outro fator foi a importância da mão de obra especializada do imigrante europeu que competia desigual, com a mão de obra não-especializada.2 Esse confinamento, criava um novo apartheid entre brancos e não-brancos, desta vez, sob o véu da República Federativa do Brasil. O status social de que o mestre Alípio gozara nas comunidades era um status de reverência, de reconhecimento e importância, todavia quando fora da comunidade, mestre Alípio era um homem marcado para morrer, pois detentor da arte da capoeira, sofre constantes investidas por parte da polícia que vê nas comunidades um gueto de marginais,  fora-dalei. Pode-se fazer uma ponte de ligação entre a ficção e a realidade de milhares de famílias brasileiras que se organizam em comunidades, mais conhecidas como morros ou favelas, grotas, que em geral se localizam em bairros suburbanos onde vive a população de baixa renda.

Um dos aspectos que chama a atenção e permite fazer uma reflexão crítica é o conteúdo da religiosidade afro-brasileira, presente no filme. Besouro não é uma produção cinematográfica de Hollywood, made in EUA, que em muitos aspectos economiza temas centrais como a religiosidade de seus mocinhos. “Os orixás são a força da natureza”(8:00), essa característica traz uma leveza ao homem negro, como indivíduo dotado de emoções, desfazendo assim, as prenoções, segundo o qual o homem negro foi gerado para o trabalho duro, escaldante e que tudo suporta. Aqui, pode-se refletir sobre os papéis sociais desempenhados por negros e brancos na sociedade. Por que será que nas telenovelas, mas também na vida real, homens e mulheres negro(a)s desempenham papéis subalternos? Por que quase sempre o trabalho intelectual, reflexivo são executados por brancos? Por que nas estatísticas sobre emprego e renda no Brasil, as diferenças salariais são aviltantes? Resultantes de um longo processo de naturalização, essas ideias foram sendo construídas e agora, precisam ser desnaturalizadas, desconstruídas.

Outro ponto forte para nossa reflexão é sobre a morte de Besouro. Diferentemente do enredo norte-americano, o artista principal, Besouro, assim como Zumbi, foi abandonado, perseguido e morto – o que inviabiliza um happy end feliz. A morte de Besouro, metaforicamente, simboliza a morte de milhares de homens e mulheres negro(a)s, vítimas do preconceito e exclusão social. A título de ilustração, pode-se citar o estado de Alagoas que tem um dos piores índices de desenvolvimento humano para a população negra juvenil (14.047 brancos assassinados, contra 34.983 negros). Isso corresponde a uma média de 80,5 homicídios a cada 100 mil negros.3 Essa é uma realidade gritante que muitos programas de combate a violência do governo Federal e estadual ainda não conseguiram efetivar um final feliz. Além da violência física, os números não revelam outras formas de exclusão como a violência simbólica, o bullying na escola e o processo de branqueamento que se verifica nas escolas, onde se percebe nos anos iniciais uma forte presença da juventude negra, mas que vai se alterando no decorrer dos anos, ao ponto de uma minoria chegarem a concluir um curso de formação superior. 

 “A morte não existe Besouro, a morte é viver debaixo da bota dos outros”(1:33:35). 

NOTAS

1 Cf. SANTANA, Ana. L. Besouro (filme). Disponível em http://www.infoescola.com/cinema/besouro-filme/. Acesso em 08/ Ago./ 14.

2 Cf. RODRIGUES, Gilson. História e cultura afro-brasileiras. s.l. s.n. sd. 

3 Cf. BARACHO Maira. Disponível em: http://dssbr.org/site/entrevistas/plano-de-prevencao-a-violencia-contra-ajuventude-negra-completa-um-ano-em-setembro/. Acesso em 08/09/14.




REFERÊNCIAS



BARACHO, Maira. Plano de prevenção à violência contra a juventude negra completa um ano em setembro. Dispon´vel em http://dssbr.org/site/entrevistas/plano-de-prevencao-a-violenciacontra-a-juventude-negra-completa-um-ano-em-setembro/. Acesso em 08/09/14.

BESOURO (FILME). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Dye7nT3_MBE. Acesso em 08/Ago./14.

RODRIGUES, Gilson. História e cultura afro-brasileiras. s.l. s.n. sd. 

SANTANA, Ana. L. Besouro (filme). Disponível em http://www.infoescola.com/cinema/besourofilme/. Acesso em 08/ Ago./ 14.

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