Formação do Estado brasileiro na República



Ao tentar revisitar o debate sobre a formação do Estado brasileiro, é preciso considerar que as teorias políticas ao precederem as atuais abordagens, são responsáveis por cunharem uma historiografia em que as principais causas e características estão fortemente relacionadas com o julgo português. Desta maneira, muitos conceitos definidos por Weber são retomados, como por exemplo, o patrimonialismo e a burocracia. 

Para Rocha (2005), os discursos que sempre tentaram explicar o atraso do Brasil frente as grandes potências mundiais, sempre estiveram ligados às ideias de herança portuguesa, ao escravagismo da monarquia e até ao fenômeno da miscigenação entre os povos africanos, europeus e indígenas. No entanto, por meio da análise weberiana se percebe que no Brasil algumas características oferecem outras variáveis interpretativas para o estado de ressonância e inércia social do país. Uma delas é o patrimonialismo, entendido como exercício legítimo do poder, mas que apresenta dificuldade em separar o poder público do privado. No âmbito das relações sociais o patrimonialismo se carateriza pela capacidade de quem está no poder fazer cumprir suas vontades pessoais em contraste com os interesses da maioria e com isso conseguir êxito diante de seus súditos através da obediência. Para Weber o patrimonialismo se configura como um sistema de dominação legítima. Com base no conceito de tipos ideais, Weber classifica a dominação em três tipos: dominação carismática, dominação racional-legal e dominação tradicional.

“O Estado providente é a lenda do patrimonialismo que não brota da livre camaradagem, mas sim de uma relação autoritária entre pai e filho: o 'pai do povo' é o ideal dos Estados Patrimoniais". (PAIM, 2015:36). Desta maneira, o Estado se escamoteia, no âmbito das relações entre sociedade e Estado, numa forma impositiva de governar em que pesam o autoritarismo, o arbítrio e interesses pessoais como as características que identificam o patrimonialismo brasileiro com os sistemas patriarcais de cunho tradicional.

Para Weffort (2011), a primeira república consolidava um Estado que pautava suas ações sem a presença do povo, um “país sem nação” e tão violento quanto o fora o imperialismo na repressão às revoltas populares. Desde a proclamação da república a participação popular ficou a margem dos rumos da política brasileira para em seu lugar sobrepor uma situação de subserviência lastreada pela política dos grandes proprietários de terras, o coronelismo. O cenário político causado pela abolição e posteriormente, a proclamação da república não foram suficientes para diluir as desigualdades entre a população que em geral, estavam alheias a essa transição política. Excluídos do processo político e em condições de uma existência descente muitos se apoiavam em um chefe político local (proprietário de terras) que tinha sob seu controle os trabalhadores rurais empobrecidos e sem-terras.

 A relação entre os coronéis e os camponeses caracterizava-se pela troca de favores que alargavam as desigualdades entre os que detinham o controle local e os que nada tinham além da força de trabalho. Os camponeses viviam na precariedade, sem educação, serviço médico, inexistência de políticas voltadas para as classes populares tornando-se desse modo, clientes eleitorais dos coronéis que exerciam o controle do voto e em troca de importantes cargos políticos apresentavam favores como calçados, roupas, emprego, etc. Contextualizando, a política dos coronéis continua a ser defendida por muitos setores modernos que consiste basicamente em manter uma situação de ausência do Estado (ou uma concepção de Estado mínimo preconizado pela política neoliberal) em que o poder local, personificado pela figura do coronel entra em cena suprimindo essa carência. Essa política clientelista e o patronato contribuíram para o impedimento da racionalização da administração pública (LEAL, 1949).

Para Faoro (apud Rocha Neto, 2005: 24), o patronato era formado por uma classe rural dominante de altos funcionários, mas posterior ao sistema cartorial. Reunia os coronéis chefes de engenho e líderes regionais em torno de interesses comuns. A administração do país pelo patronato político possibilitou ao grupo dominante a acumulação de enormes fortunas e o enriquecimento ilícito aumentando ainda mais seu poder e prestígio social consolidando o que o autor chama de máquina político-administrativa — uma ameaça à soberania do Estado e a democracia.

Nos países democráticos é comum proclamarem-se “urbi et orbi”, isto é, que todos são iguais perante a lei, mas Vieira (1989) observa que o que prevalece é “per fast et nefas”, algo que soa como impunidade, ou seja, se não for pelo lícito, será pelo ilícito, a qualquer custo, de qualquer modo para se chegar a um fim que não seja a justa medida ou a igualdade de direitos. “No Brasil, fala-se muito em democracia. Mas nem o povo, nem os legisladores, nem os juristas, nem mesmo o Governo estamos educados para o exercício da democracia [], porque é muito nosso confundir democracia com liberalismo”(VIEIRA, 1989:160). O autor procura denunciar o estado de ignorância política em que a população brasileira vive, mas também dar visibilidade as desigualdades e o abismo que existe entre teoria e prática no atual contexto republicano. Atualmente, o patrimonialismo tem se mostrado como herança maldita para a maioria dos países em desenvolvimento como é o caso do Brasil. Corrupção ativa, tráfico de influência, políticas centralizadoras e outras questões de fundo que não foram devidamente combatidas desde o império produziram uma realidade social em que o Estado brasileiro não faz clara distinção entre o público e o privado. O resultado de tudo isso é o domínio do aparelhamento estatal, dos cargos e instituições por grupos políticos minoritários.







REFERÊNCIAS



VIEIRA, Antônio. Filosofia política e problemas jurídicos. Fortaleza: Secretaria de cultura, turismo e desporto, 1989.

ROCHA NETO, Luiz. H. A formação do Estado brasileiro: patrimonialismo, burocracia e corrupção. Disponível em http://ava.ead.ufal.br/course/view.php?id=2578. Acesso em 28 de Maio de 2015. [Revista do mestrado em Direito]

LEAL, Victor. N. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense, 1949.

PAIM, Antônio. Interpretações do Brasil. Disponível em http://ava.ead.ufal.br/course/view.php?id=2578. Acesso em 29 de Maio de 2015.

WEFFORT, Francisco. C. Formação do pensamento político brasileiro. São Paulo, Ática, 2011



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ressurreição, reencarnação, ancestralidade e o nada

Durkheim - a religião é um fato social

Antropologia Interpretativa