A INTERMITÊNCIA DA SOCIOLOGIA NO BRASIL
No
início do século XX duas décadas foram fundantes para a introdução
da disciplina de Sociologia no ensino brasileiro. O pontapé inicial
dos anos 20 que insere a Sociologia na educação básica e
posteriormente na década de 30 quando houve a primeira abertura dos
cursos de Sociologia em dois importantes centros de ensino: a Escola
Paulista de Sociologia e Política e a Universidade de São Paulo.
Apesar do avanço inicial necessário, uma dicotomia acompanha a
trajetória da Sociologia como campo disciplinar dividido entre o
universo de pesquisa e o exercício da docência. Longe de ser este o
grande empecilho para sua efetiva consolidação essa dicotomia,
porém, ainda não fora superada. Como a questão do conhecimento ao
longo da História sempre esteve atrelado a grupos privilegiados de
poder, o saber sociológico inicialmente esteve em domínio das
classes elitistas e a extensão desse saber a um maior número de
indivíduos ou diferentes extratos sociais representou um perigoso
empreendimento ao poder dominante. Fato é que a Sociologia amargurou
nos currículos escolares como uma disciplina intermitente, isto é,
diversas interrupções conjecturais banirá a disciplina do ensino
por longos períodos que, desta forma, provocará uma grande lacuna
na educação brasileira e no processo de adequação do ensino à
modernidade (OLIVEIRA, 2015). A institucionalização da sociologia
como disciplina do Ensino médio é pontuada por vários desafios, no
entanto Oliveira (21011) destaca os mais proeminentes no contexto de
ensino brasileiro sendo eles o desafio da identidade, da legitimidade
e o epistemológico.
O
desafio da identidade decorre em razão de uma herança dicotômica
do ensino de sociologia. A presença da sociologia se caracteriza
pela intermitência no currículo educacional que vem desde a reforma
Rocha Vaz e a reforma Francisco Campos de 1920 sofrendo idas e vindas
como sua interdição pelo Estado Novo ou no auge do Regime Militar
de 1964 até sua reintrodução no período da redemocratização do
país. Além do mais há uma orientação nos cursos de Ciências
Sociais exclusivamente para o bacharelado, para a produção de
pesquisa científicas, ficando o curso de formação para docentes em
uma perspectiva oposta. Mota (2015) lembra que em 1891 o governo
provisório propôs uma reforma educacional que estabelecia sua
obrigatoriedade no ensino secundário, no entanto em 1901 a reforma
Epitácio Pessoa por meio do decreto nº 3890 derrubava a
obrigatoriedade da disciplina, iniciando o que veria a ser uma penosa
caminhada a sua institucionalização. O período compreendido de
1920 a 1930 a sociologia ficou retida a experiências de sociólogos
brasileiros a exemplo de Delgado de Carvalho que em 1925 a introduziu
no colégio Pedro II, outro sociólogo conhecido como Carneiro Leão,
incluiu a sociologia em 1929 no estado de Pernambuco e Fernando de
Azevedo se encarregou de levar a sociologia para o Distrito Federal e
São Paulo nos anos de 1927 e 1933 respectivamente.
O
segundo desafio, da legitimidade, como o próprio nome indica é uma
superação da intermitência por meio de sua consolidação como uma
ciência nos moldes postulados por Durkheim ao garantir
cientificidade à sociologia através de um método próprio. A
legitimidade da sociologia requer a inserção do conhecimento
científico como um conhecimento que dá conta dos problemas sociais
modernos. Diante disso, há uma questão de fundo a respeito da
habilitação daqueles que lecionam Sociologia, se de fato estão
relacionando os conteúdos com o caráter etimológico e ontológico
das Ciências sociais. O desafio proposto por Oliveira (2011), remete
a questão de como a Sociologia elabora sua compreensão sobre as
categorias sociológicas, isto é, partindo de explicações
qualitativas, contrapondo-se “as ideias de classe social,
identidade, gênero, ação coletiva, etc (OLIVEIRA, 2011, p.119).
Sobretudo, quando estas categorias estão vinculadas as compreensões
clássicas do século XIX e início do século XX. Nesse sentido, as
ideias e postulações teóricas devem ser complementadas com a
prática pedagógica, teoria e prática devem caminhar juntos no
ensino de sociologia apropriando-se da realidade e do contexto social
dos alunos.
Considerando
toda essa gama de questões que pairam sobre a institucionalização
da disciplina, alguns autores procuram situar como desafio a questão
epistemológica, desafio este que necessita de adequação dos
conteúdos, por parte do professor, à realidade coetânea dos alunos
do ensino médio. Ao trabalhar com autores clássicos da sociologia
faz-se necessário redimensionar o conteúdo ao nível de compreensão
dos alunos, torná-los acessíveis para só então criar uma
consciência participante capaz de inferir diretamente na realidade,
os desafios epistemológicos do ensino de Sociologia por meio da
participação ativa sobre a realidade a fim de garantir seu lugar na
educação, quando “a sua reintrodução possuiu como pano de fundo
um forte ativismo político, devendo ser destacado que a lei por si
mesma não resolve o problema, não devemos, portanto, esvaziar o
debate político da questão apenas por força de lei” (OLIVEIRA,
2015, p. 118). A lei apesar de ser um forte mecanismo de legitimação
para o exercício da Sociologia, está vinculada a contextos
políticos diversos. Assim, de lei em lei a Sociologia assiste ao
pólipo de decretos, resoluções, pareceres jurídicos, vetos, etc.
Sem esgotar o debate a cerca dos desafios do ensino de sociologia
aqui expostos, mas ao contrário, reconhecendo a existência de
outros desafios até mais amplos em grau de complexidade, o objetivo
foi trazer à luz as reflexões sociológicas atuais, debruçando-se
sobre a educação e seus dilemas para a docência.
Mota
(2015) concorda que a implantação da sociologia foi um trabalho
paulatino, os esforços para a institucionalização da disciplina na
educação remonta ao Brasil império e desde as primeiras conquistas
se tem levantado questões pertinentes sobre o lugar da sociologia no
ensino brasileiro quanto a formação dos cursos de licenciatura
ofertado aos docentes e suas perspectivas. O retorno da disciplina
nos currículos escolares do ensino médio, bem como sua
obrigatoriedade, tem gerados discussões a cerca de novos desafios a
serem enfrentados, pois apesar dos avanços que a obrigatoriedade
legou, o lugar reservado para a sociologia nas escolas brasileiras
consistiu em figurar como coadjuvante como se observa através da
carga horária baixa, ou por meio de alguns de seus conteúdos que se
encontram diluídos em outras disciplinas na área de humanas ou
ainda integrando como um complemento da parte diversificada do
currículo por meio da transversalização de temas. É nesse
contexto atual que está localizada a sociologia, no entanto sua
superação é um desafio que mobiliza novas incursões por reformas.
Como disciplina dos cursos complementares, a sociologia integrara um
movimento de reforma no ensino em consonância com a proposta de
modernização da sociedade, inclusive por meio da substituição do
modelo clássico por um outro mais moderno e voltado para as reais
necessidades do mundo moderno, desse modo esta geração de
sociólogos se mobilizaram para maximizar um novo programa
educacional em que contemplasse o ensino sociológico. Embora o
projeto do ensino de sociologia contemplasse o alcance de todos
irrestritamente, ainda que dotados de boas intenções, o
conhecimento sociológico ficou confinado aos especialistas e homens
da elite cultural. Uma parcela significativa da emergente modernidade
estava fora do processo, homens ligados ao campo e ao operariado
brasileiro não tinham acesso. Justamente o campo, um território que
sempre foi cenário de luta do campesinato pela sobrevivência, pela
posse de terra, altar de antigos conflitos sociais, do mesmo modo o
operariado que vendendo o suor dos seus braços para a indústria
vê-se cada vez mais excluído da modernização e tem sido
substituído pela máquina e novas tecnologias. Essa condição
encontra pujança numa questão bem simples, a maioria da população
dos anos de 1930 e 1940 estavam fora do ensino secundário, sendo
este um espaço privilegiado dos jovens que vinham das elites
dominantes.1
O
desafio da identidade preconizado por Oliveira, a partir dos anos
1942 se intensifica sobretudo devido a reforma Capanema durante o
Estado Novo. Nesse período, a sociologia sofrera um golpe que tirava
da disciplina sua obrigatoriedade das escolas secundárias, um
direito conquistado em 1925 pela reforma Rocha Vaz. No entanto, a
sociologia permanecia nas escolas que ofertavam o magistério. Além
de extinguir a sociologia do ensino secundário, a reforma Capanema
aboliu os cursos complementares da qual a sociologia fazia parte e
que tinham um caráter preparatório para o estudo superior nas
várias áreas de engenharia, medicina e advocacia. Esta investida
preparou o cenário necessário para a concretização de novas
intervenções na educação que vieram por meio da hostilidade
política à área de humanidades de modo geral, excluindo-as dos
processos educacionais de ensino e pesquisa.2
A
sociologia só voltará ao currículo escolar (na condição de parte
diversificada) quando a estrutura criada na reforma Capanema é
rearticulada nos idos de 1971 pela então reforma Jarbas Passarinho
através da Lei nº 5692. A
educação brasileira sempre esteve ameaçada por medidas, decretos e
leis que impediam o povo de pensar criticamente sua situação
social, como exemplo pode-se citar a intermitência do ensino de
Filosofia e Sociologia que a mais de um século vem sendo negado nas
camadas populares. A educação estatal prejulga que essas
disciplinas, e em especial a Sociologia, oferecem conteúdos que
ameaçam a ordem e o convívio social. As escolas brasileiras carecem
de uma disciplina comprometida com as questões sociais do mundo
contemporâneo. Nessa perspectiva, o conhecimento contemporâneo deve
contemplar uma educação libertária para além da sala de aula,
envolvida com os problemas sociais do país, com a pesquisa e a
reconstrução de novas práticas pedagógicas.
REFERÊNCIAS
MOTA,
Kelly. C. C. S. Os
lugares da sociologia na formação de estudantes do ensino médio:
as perspectivas de professores
Disponível
em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a08
Acesso em 29 de Set. de 2015
MORAES,
Amaury. C. Desafios
para a implantação do Ensino de Sociologia. Disponível
em http://graduacao.ead.ufal.br/mod/resource/view.php?id=1716.
Acesso em 24 de Jul. de 2012]
OLIVEIRA,
Amurabi. P. Sentidos e dilemas do
ensino de Sociologia:
um olhar sociológico. [Revista
Inter-legere, nº 09] Disponível em
http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/09/pdf/09es01.pdf
Acesso em 29 de Set. de 2015
______. Ensino
de Sociologia: desafios epistemológicos para o ensino médio
[Revista Espaço acadêmico, nº 119, Abril de 2011. Disponível em
http://eduem.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/11758/6865
Acesso em 29 de Set. de 2015
NOTAS
1 Op. cit. p. 93
2
Cf.
Moraes
(2012) sobre
a situação da escola pública no Brasil. O autor aborda sobre os desafios e desempenho do ensino de sociologia e ressalta que essa situação
coloca a escola como objeto sociológico. Declarando ser um defensor
da obrigatoriedade do ensino de Sociologia e que a polêmica que
envolve a sociologia no ensino médio está ligado a tradição e
corporativismo das outras disciplinas. O autor problematiza
que do mesmo modo que se debate sobre escola pública e currículo
deve-se debater os objetivos indicados pela LDB ao incluir o
aprimoramento da pessoa humana (formação ética, autonomia
intelectual, pensamento crítico), já que as escolas particulares
orientam para o vestibular.Além
disso, outro problema apontado é a adoção do livro didático,
Moraes defende que não existe um livro didático de sociologia
consagrado nacionalmente porque estes livros não passam pela
crítica especializada e como alguns professores não se dedicam a
pesquisa, com isso, acabam por seguir as orientações do livro
acriticamente. Outro problema é o número de aulas, não tem como
definir o conteúdo sem antes definir o número de aulas. Se o
objetivo do ensino de sociologia é criar uma consciência
sociológica no aluno, questões como proposta única, quantidade e
seleção de conteúdos acabam sendo sem sentido. Sendo os conteúdos
variados, a metodologia é quem fará a diferença e aqui reside
principalmente a formação em licenciatura ou domínios das
práticas de ensino, pois a escolha dos conteúdos terá sempre
caráter arbitrário. Partir de temas diversos, variando as
estratégias de ensino é o que se pode fazer no ensino médio (op.,
cit.).Conforme
defende, o currículo de Sociologia no Brasil pode ser analisada com
base em dois eixos: os tradicionais conservadores e as concepções
críticas. Um e outro foram modelos transplantados dos EUA e
influenciaram o campo curricular brasileiro. O autor analisa que a
seleção de um currículo não é desinteressada, isenta ou neutra.
Preocupam-se, acima de tudo, em atender aos interesses econômicos
de grupos dominantes. Percebe-se a existência no Brasil de duas
correntes bastantes influentes no campo da teoria curricular
crítica: a sociologia do currículo, de orientação americana,
neomarxista e outra conhecida como nova sociologia, de orientação
britânica
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