Gilberto Freyre e obra
A vastidão da obra de Gilberto Freyre se revela como a inauguração de um novo pensamento interpretativo sobre o Brasil colonial. Suas três obras de maior amplitude foram Casa Grande & Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Nordeste (1937). Essas obras são marcadas pela metodologia que trouxe novos documentos à luz dos descobrimentos e a inserção de novos temas ainda não explorados por autores que o antecederam, sobretudo em Sobrados e mucambos e Nordeste. “Freyre dignificou os anúncios de jornais, os diários e a correspondência familiar, os escritos de viajantes estrangeiros, os livros de receitas, as fotografias, as cantigas de roda e toda tradição oral, multiplicando os suportes 'culturais' à disposição do historiador” (SOUZA, apud Freitas, 2000: 20). Gilberto Freyre, na mesma linha da escola de Annales, considerou muitos dos elementos culturais do período colonial e que eram ignorados por outros autores. Nesse sentido, o autor não se ocupou apenas com uma bibliografia já consagrada ou de certa maneira “oficial” para falar sobre o Brasil, mas considerou além dos livros, as cartas e a tradição oral. A primazia de sua obra reside nos diversos aspectos temáticos que ele aborda como por exemplo, a infância das crianças que viviam na colônia, o modo de vida dos idosos em uma sociedade escravista, mas também as festividades, o estilo familiar e a noção de amor e sexo entre os diferentes grupos étnicos. O autor se debruça com os detalhes sobre a alimentação, os cortejos fúnebres, a paisagem natural e outros elementos que tornam possível ao leitor de hoje visualizar um Brasil que não existe mais, no entanto reforça que ainda persiste elementos da formação colonial na atualidade como, por exemplo, o patriarcalismo. Afastando-se das teorias evolucionistas e mesmo racistas, Freyre diferenciou raça de cultura e criticou autores que viam na atividade genésica (para usar um termo de Freyre) um mal a ser evitado. Aliás, pela primeira vez os estudos sociológicos sobre problemas brasileiros foram analisados como um acontecimento, um fato social. Mais que isso, Freyre aborda suas ideias partindo de uma perspectiva da cultura e não de teorias racialistas. A teoria da miscigenação cultural (explanado mais adiante) é o traço estruturante de sua obra para a compreensão dos conceitos de equilíbrio e antagonismo, mas também para o desenvolvimento de um pensamento que tenta explicar a formação do povo brasileiro a partir dos três grupos étnicos, tira a ênfase que muitos autores deram as raças, e direciona seu foco para outra discussão: a cultura. Essa postura será marcada por mudanças profundas na interpretação sobre a sociedade brasileira, pois oferece uma releitura otimista e um estilo de maior alcance do público.
Qual o principal aspecto temático da obra de Gilberto Freyre?
O ponto mais forte de toda sua obra é a ênfase que Freyre lega a mestiçagem, este também é o principal aspecto temático, sendo todos os outros aspectos acessórios, pois através da mestiçagem o autor desfaz o mito de que os males como as doenças e a imoralidade, sadismo, aversão ao labor, apatia, etc. estavam ligados a misturas de diferentes raças entre o indígena, o europeu e o africano. Freyre esclarece que a causa principal era o modelo de uma economia monocultora e não a mestiçagem. A percepção positiva que tinha da mestiçagem no Brasil em toda a sua obra, influenciou significativamente os trabalhos futuros sobre formação cultural do Brasil (FREITAS, 2000). Gilberto Freire negando-se a pensar a mestiçagem como um mal, mas não só, rompendo com o evolucionismo cultural, escreve o quanto foi fecundo o cruzamento entre os povos. Mesmo não dando visibilidade aos estupros e as desigualdades [que Freire estava ciente], entre senhores e escravos, prefere a nostalgia de uma América Portuguesa que não existe mais. O foco na miscibilidade permitiu a Freire exaltar os portugueses enquanto colonizadores. Seu pensamento filia-se, desse modo, à ideologia de um país colapsado pelos engenhos. Por isso mesmo será muito criticado como "luso-tropicalista" e "justificador do imperialismo português" (FREITAS, 2000).
Se por um lado o antagonismo harmônico de Freire, em sua obra Casa Grande & Senzala (1933), empenhou-se em compreender a formação cultural brasileira com base na origem dos povos africanos, europeus e indígenas, resultando em fragilidades e incongruências ressaltadas pela crítica literária, pois " Assentou as bases de seu livro inaugural no critério de diferenciação entre raça e cultura: a primeira deixaria de ser categoria explicativa, papel doravante à cultura." (FREITAS, 2000:20). Por outro, a mestiçagem entre os povos, tornara-se um marco inaugural de grande repercussão social. Para o autor, a mestiçagem atenuava os conflitos entre colonizador e colonos e com isso encurtava as distâncias entre a casa grande e a senzala. A compreensão que se tinha no Brasil colonial sobre a mestiçagem era de que a origem de muitas doenças devia-se ao cruzamento de raças, de onde se derivava o mau-caráter, a apatia, preguiça e outras ideias que foram sendo naturalizadas e mitologizadas em diferentes contextos: mito do negro preguiçoso, mito do sexo frágil, mito da igualdade racial, etc. Casa Grande & Senzala, canaliza os males imputado à mestiçagem para outra direção, atribuído-os ao sistema econômico. Foi o primeiro trabalho a abordar o caráter, a apatia, e a preguiça como um fato social em que, a cultura, e não a genética, é decisiva na construção social (loc. cit.). O relevo dado às questões da culinária, religião e sexualidade direciona seu trabalho para uma perspectiva positiva sobre a miscigenação. Empenha-se na construção de uma identidade nacional do Brasil, enquanto Estado e nação. Busca compreender o que é ser brasileiro, a origem e as trocas culturais entre os povos (RODRIGUES, 2014).
Um dos estudos seminais sobre a importância e valorização do mestiço no cenário da formação da identidade brasileira foi a obra de Gilberto Freyre, intitulado Casa Grande & Senzala. Pode-se destacar como aspecto central a valorização que Freyre emprega à miscigenação, isto é, a mistura de diferentes grupos étnicos. Segundo o autor, observar essa peculiaridade sem o fio condutor dos discursos racialistas, se faz necessária para compreensão do Brasil enquanto nação. Em seu trabalho, Gilberto Freyre tira a ênfase que muitos autores que o precederam deram as raças, e direciona seu foco para outra discussão: a cultura. Essa postura será marcada por mudanças profundas na interpretação sobre a identidade brasileira, pois oferece uma releitura otimista e um estilo de maior alcance do público. Cassa Grande & Senzala considerada um marco sobre a identidade brasileira, se contrapõe a ideia convencional de que a mestiçagem é degenerativa, isto é, uma ameaça à espécie e à evolução da sociedade. Freyre discorda com a ideia de que as diferenças sociais presente desde a embrionária colônia seja fruto de critérios raciais (FERREIRA, 2015).
Outra admirável contribuição de Freyre foi seu reconhecimento sobre o papel social do negro, sobretudo no litoral agrário. Não se trata de um enaltecimento singelo, pois o autor confere ao negro uma importância social maior que a do indígena e inclusive do próprio colonizador português. Criticou os estudos da antropologia física, em sua obra Freyre não adere a ideia de superioridade racial apontados por muitos estudos da época e chega a questionar a legitimidade dessas afirmações. O pensamento de Freyre está ancorado no fato de que a formação colonial foi o principal motor das desigualdades entre brancos e negros. O tipo de colonização implantado nas Américas legou ao negro brasileiro, condições de subalternidade e desumanas. Em Casa-Grande & Senzala a origem da miscigenação é pontuada como decorrência das relações de dominação entre colonizadores, indígenas, senhor de engenhos e escravos. Uma relação caracterizada por forças extremadas como o afeto e o autoritarismo, balizando entre poder e sentimentos (FERREIRA, 2015).
O pensamento de Gilberto Freyre segundo Bastos (2015) constitui elementos fundamentais sobre a miscigenação, mas também sobre a vida cultural e política do Brasil como se pode observar a partir da revolução de 1930. Freyre fortaleceu a ruptura interpretativa que em sua proposta, parte do princípio da complexidade da cultura africana. Para o autor, existem estágios elevados da cultura africana como entre os povos sudaneses, inclusive afirmando um estágio de desenvolvimento superior ao do colonizador português. Ressaltou o dinamismo da coexistência pacífica entre as três matrizes étnicas e a incorporação de traços culturais do europeu, do indígena e do africano. Deste último, a incorporação da bondade, da alegria, do misticismo religioso, da higiene e culinária (BASTOS, 2015). Segundo o autor, a abolição da escravatura brasileira não representou para o negro a igualdade de direitos, antes colocou a população negra em face de uma icógnita: como inserir o negro nos quadros sociais de um sistema republicano embrionário? Muitos autores se empenharam em responder essa questão como, por exemplo, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues, Alberto Torres, Manuel Bonfim, Oliveira Vianna, Gilberto Amado, Arthur Ramos, Florestan Fernandes, Renato Ortiz e o próprio Gilberto Freyre.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Elide. R. Gilberto freire e o tema da miscigenação. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=uy0kou2CcaY. Acesso em 06 de abril de 2015.
FERREIRA, Ana. L. L. Antropologia no Brasil. S. l. s. n., s. d.
FREITAS, Marcos. C. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2000.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da família patriarcal. São Paulo: Global, 2003
RODRIGUES. Fernando J. Pensamento social brasileiro. s. l. s.n., 2015.
[livro para EAD – sociologia 4].
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