O LAÇO ÉTICO ENTRE O PSICANALISTA E O PACIENTE

 

Francisca Heloí dos Santos

Uma das questões fundamentais e amplamente discutida é sobre a ética no trabalho psicanalítico. Esta não é nem uma questão primária e menos ainda exclusividade do trabalho psicanalítico, mas uma volição que cerca o mundo do trabalho e as relações sociais. Agir eticamente como psicanalista é uma necessidade que se impõe, sobretudo por vivermos em um mundo conectado e sem fronteiras geográficas para a informação. No entanto, o trabalho do psicanalista deve se nortear por uma série de princípios e normativas éticas estabelecidas.

Em todas as sociedades humanas verifica-se a presença de determinadas regras de condutas ou estipulação de valores morais com base em padrões de conduta. As condutas positivas são tidas como boas e desejadas a todos os seus indivíduos a fim de que haja perfeito equilíbrio, já as condutas tidas como negativas não são encorajadas pelo grupo social que repudia e estabelece os limites, inclusive punindo tais comportamentos considerados “desviantes”. A métrica entre o que deve ser encorajado e o que deve ser reprimido está ancorada no dualismo bem e mal. Como dito anteriormente, o bem e o mal são os corolários dentro de um determinado grupo social e esses valores são modelados e transmitidos no interior da família, escola, religião, nos laços construídos desde tenra infância. Portanto, desde os tempos antigos a educação moral para o bem e a felicidade constituem o núcleo das preocupações da pólis, isto é, formar cidadãos éticos e morais permeiam todos os campos da vida dos indivíduos.

No trabalho psicanalítico não é diferente, o profissional que atende carrega toda uma bagagem assimilada ao longo de dua trajetória que vai desde a educação recebida na família até sua formação. O psicanalista é, portanto, o resultado de toda sua história de vida, do constructo sociocultural em que está inserida. Feitas essas considerações é razoável pensar que nas trocas entre paciente e psicanalista, em grande medida, esses valores adquiridos envolvam a eficácia das análises e o próprio analisando. Pelo menos três princípios éticos permeiam o trabalho do psicanalista: o modo como o psicanalista se relaciona consigo, o modo como se relaciona com o paciente e o modo como se relaciona com a sociedade.

Há entre os psicanalistas uma preocupação com a questão ética no trato do trabalho com análise de seus pacientes. Diante disso foi que a Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB) criou um código de ética próprio que regula toda a atividade do psicanalista. Outro documento que disciplina a conduta deste profissional é o Conselho Psicanalítico Nacional que juntamente aos Conselhos Psicanalíticos Regionais formam um compêndio multidisciplinar da profissão. Embora a filiação a essas instâncias não seja compulsória, agir com ética é uma imposição para o bom desenvolvimento profissional.

Entre as atribuições e tratativas do modo como um psicanalista deva agir com as informações que colhe de seus pacientes, destaque-se o sigilo profissional. Portanto, fica obrigado todo psicanalista a guardar as informações recebidas mediante a observação de não compartilhá-las nem em particular e menos ainda em público. O sigilo de que trata essas disposições proíbe até mesmo que outro psicanalista tome conhecimento sobre seu estado de saúde, salvo quando autorizado pelo paciente. Nos casos em que houver tácito conhecimento de abusos das informações do paciente por um profissional, encoraja-se que haja denúncia sobre o caso junto aos órgãos e respectivos Conselhos a fim de que essa atitude possa punida nos termos da lei. O sigilo profissional não deve ceder nem mesmo a apelos de ordem judicial ou policial, salvo nos casos em que o paciente concorde em revelar e mesmo assim, que não traga constrangimentos diretos (ao paciente) ou indiretos (família).

Além do papel desenvolvido pelo psicanalista pautado pela ética, esse profissional possui direitos inalienáveis como, por exemplo, o direito a recusa. Nenhum psicanalista está obrigado a orientar um paciente, podendo ser recusado ou admitido conforme o caso. Como trabalhador, o psicanalista tem direito a receber pagamento pela prestação de seu serviço, se negar a dar seu endereço ou contato quando lhe convier. Na contraparte, o paciente tem direito de escolher o psicanalista que achar melhor, desconfiar do psicanalista, encerrar o tratamento em qualquer momento, tem direito de receber recibo pelo pagamento do serviço ou declaração de comparecimento. Como se pode observar, as relações entre analisando e analista engloba os vínculos éticos, morais e trabalhistas que precisam ser descortinados e transparentes mutuamente.

É necessário que o psicanalista tenha consciência de si reconhecendo que enquanto sujeito, absorve muito de sua cultura estruturante e está passivo de assimilá-la no consultório. Dito de outra forma, precisa controlar seus desejos reivindicando a própria vontade intrínseca e vigiando-se de impulsos inconscientes. Apetecer aos desejos e emoções desqualificaria o trabalho de análise que deve buscar ser neutra e desprovida de interesse. Sabe-se que não é tarefa fácil, contudo inclinar-se aos desejos e emoções seria o mesmo que oferecer um estímulo da própria cultura do analista por quem foi influenciado. Mostrar que é capaz de deliberar com responsabilidade sem as interferências culturais e emocionais podem, desse modo, manter-se distante de experiências subjetivas.

A existência de normas que regem as condutas psicanalistas é um instrumento importante na valorização desse profissional e salvaguarda o paciente de condutas antiéticas. Por confidenciar informações sigilosas ao analista o paciente precisa estar resguardado por uma ética trabalhista indissolúvel. Sentir-se confortável para se tratar e, sobretudo, ter as condições necessárias.


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